A opressão no “underground”: machismo sob uma máscara libertária

Por Felipe Nizuma.
Recentemente, a aparição de uma banda de metal composta apenas por mulheres “agitou” o “underground” em uma série de comentários e posts intermináveis no facebook onde as pseudo-críticas alegavam que elas estavam começando “do nada e já tinham até clipe” e que elas “faziam covers mal-feitos de bandas sagradas”. Mas basta dar uma olhada nos shows, nos zines e em qualquer outro suporte “underground” para perceber que há uma diferença entre o número de músicos “homens” e “mulheres”. Alguns irão dizer “ah, mas isso não é uma discussão numérica, mas é uma questão da música ser boa ou ruim”. Pois bem, o que há nesse tipo de opinião, de “música boa ou ruim”, é que ela ignora uma sociedade machista e patriarcal, ignora a opressão de séculos e mais séculos (e que não é “natural do ser humano”) onde a mulher é vista como um objeto e/ou como escrava.

Um exemplo desta condição social é o da própria publicidade que foca no “público masculino”, utilizando-se do corpo da mulher para vender mercadorias quaisquer. Um caso explícito é o da tal da cerveja devassa, onde o próprio nome prostitui a mulher, colocando a mulher como um produto consumível, assim como a cerveja. Ainda, com esse nome, a marca vende a própria sexualidade da mulher, separa as mulheres entre “devassas” e as “não-devassas”, tudo como se não fosse uma decisão da própria mulher sobre sua própria sexualidade. Esta posição coloca a mulher não só como objeto e mercadoria, mas também como escrava, porque coloca a mulher como “não dona de si”, sendo suas ações determinadas por vontades masculinas e do mercado (notamente guiado por “homens de negócio”). Isso não é “natural do ser humano”, é a expressão do machismo onde, por exemplo, no lugar-comum machista do “underground” a guitarra, o baixo, a bateria e etc., não são “coisa de mulher”, e o “lugar de mulher” seria “do lado do palco dando força pro maridão” ou atrás do palco, prostituída, no papel de “groupie”.




Voltando à questão. Qual é o problema de mulheres terem uma banda, gravarem um clipe, fazerem shows e tocarem o cover que quiser ao vivo? Nenhum. Porque são mulheres e são livres pra se expressar, assim como são donas de seus corpos e da música que produzem. Algumas afirmações como “elas podem fazer o som que quiser desde que elas façam música boa” remetem justamente ao patriarcado e ao machismo, porque o “desde que” significa pedir permissão (censura) pra existir enquanto banda, tudo em nome de um “underground”, que é masculinizado (quem fez as regras? A maioria são homens...). Bandas “true”, de “macho”, passam pelo crivo do “desde que” e são automaticamente “musica boa”, e se não passam, são “tolerados”, e se não são tolerados, utiliza-se de homofobia e chamam de “banda de viado” (aqui além de homofóbico, é machista também: “rebaixam” outros homens à “mulher” por não se portarem como “homem”). Para as mulheres que tem banda é ao contrário, o critério de “música boa” passa a valer rapidamente ou é substituído pelos gritos de “gostosa”, que não, não é elogio pras mulheres, os corpos delas são delas, elas não existem pra te agradar. Assim como a música que elas tocam é pra se ouvir e é delas pra quem quiser ouvir, não é não dos censores machistas.



Outra afirmação comum é “ah, elas tocam mal esses covers e isso dá trela pros machistas falarem mal”. Isso coloca que o machista é que está certo, que ele tem uma “opinião válida”, e o pior, que é natural ser assim. Quem está errado é o homem machista que não deixa a mulher ser mulher, acha que mulher é “depósito de esperma”. Dizer a afirmação acima é mesma coisa que alegar que a mulher que foi estuprada “provocou” porque estava de saia curta. Aí recomendam que a mulher saia de casa sem nenhuma parte do corpo à mostra, ou que nem saia de casa, e a opressão aparece em forma de “boa intenção”, porque supostamente asseguraria a mulher contra a violência de homens que agem de forma escrota, sem questionar a ação machista. E não, e a comparação não é absurda. Ao colocar o machista como “opinião válida”, fazem com que as mulheres que tem banda, tenham de ralar 100000 vezes mais que uma banda de homens, porque “elas têm de provar ao underground” e pros machistas (que fazem as regras) que elas são “boas em fazer metal”. Isso também não é “natural”, isso é opressão machista, mas como cara de “boa intenção”, como se tivessem “dando força”, quando na verdade, isso é a censura, que caminha na direção da desistência de todas como musicistas.
Outra coisa, quando pessoas se colocam como feministas, a opressão se torna mais clara, sendo taxados de “chatos do politicamente correto” (como o escroto do comediante Rafael Bastos, que se acha “vitima”, depois de falar que “estupro é favor pra ‘mulheres feias’”). Imagine, quando da abolição da escravidão dos negros, os brancos dizendo que quem defendia a liberdade dos negros eram chatos do politicamente correto. Os negros que lutavam contra a escravidão eram chatos do politicamente correto? Eles realmente eram obrigados a aceitar essa condição? Acho que não. O fato é: os machistas de plantão se assustam com a idéia da mulher ser livre, pegar um instrumento ir lá e tocar. Isso realmente é absurdo?
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2 comentários:

botequim das palavras disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
botequim das palavras disse...

Muito oportuno esse seu texto, para refletir em especial nessa data.